Artigo enviado por Flávio Ribeiro de Paiva, Psicólogo e Personal Coach de Concursos

Não sou a favor ou contra Luís Soares. Sou um psicólogo e personal coach preocupado com a performance dos meus clientes em concursos e provas. Com a repercussão do caso Luís Soares, vale a pena investirmos na elaboração de algumas hipóteses sobre comportamentos indesejados para podermos utilizar esse conhecimento no contexto dos concursos.

Uma breve digressão para conhecermos o contexto no qual os fatos foram encenados, Luís Soares entra na Copa de 2014 como um consagrado herói nacional. Ele alcançou esse status desde a Copa de 2010, na África do Sul, quando defendeu sua pátria e seu gol com a mão e pagou com sua expulsão. Seu sofrimento pessoal deu ao time e à nação a oportunidade de avançar para uma impensável semifinal de Copa do Mundo. Para um povo apaixonado por futebol e ansioso por bons resultados há décadas, é fácil entender a relevância de Luís Soares na galeria dos heróis nacionais do Uruguai.

Eis que, quatro anos mais tarde, Luís é abençoado com a chance de ser novamente um dos protagonistas no maior evento festivo-futebolístico do planeta. Recuperando-se espetacularmente de uma lesão grave, entra para o segundo e decisivo jogo contra a Inglaterra necessitando marcar gols. E Luís Soares marca. Não apenas um, mas os dois gols da vitória do seu time. Novamente pelo resultado de sua performance, ele cria um cenário onde há reais chances de classificação para a próxima fase da Copa do Mundo.

Sem Luís, a seleção havia perdido o primeiro jogo para uma zebra. Com ele, havia  ganho de uma seleção europeia multimilionária e sempre desafiante. Mas havia ainda o terceiro e decisivo jogo classificatório, agora contra a Itália. Na metade do segundo tempo, apenas um gol separava o Uruguai de sua classificação. Apenas um gol. Com Luís Soares em campo, melhor jogador do campeonato inglês na temporada, nenhuma defesa se sente segura. O jogo está tenso e Luís Soares, em uma disputa corporal com seu marcador, comete um ato inesperado: tasca-lhe uma mordida no ombro. Uma senhora mordida. O árbitro da partida não vê o lance e o jogo segue. As câmeras da Fifa, ao contrário, captaram todos os ângulos do feito. A visível intenção de morder não pode ser disfarçada em câmeras de 400 zilhões de quadros por segundo. Considerado como ato agressivo e julgado culpado, Luís Soares é sumariamente expulso do "ambiente Fifa". Apesar da vitória contra a Itália, Luís Soares se torna o centro das atenções da mídia mundial. Seu choro, sua partida, sua mordida.

Não houve defensores de Luís Soares fora das fronteiras cisplatinas. Mas houve severos críticos entre seus conterrâneos, como o presidente uruguaio, reprovando em público a atitude do camisa 9 celeste. Muito já se falou sobre o "caráter" de Luís Soares: um animal, bandido, moleque, irresponsável, burro, etc. Incrível como somos bons em criticar os outros.

À exceção do texto publicado com a colaboração do meu amigo do Instituto de Psicologia da UFRGS, o psicólogo esportivo Maurício Pinto Marques, pouco ou quase nada se publicou a respeito das motivações de Luís Soares. E no contexto do alto desempenho, a única coisa que importa é conhecer os estados mentais em que esses comportamentos acontecem. O resto são julgamentos pessoais que abastecem botecos e posts do Face.

O ponto de contato entre Luís Soares e os concursandos é o contexto de alta pressão por resultados. Nesse cenário, somos submetidos a uma pressão acima do limite que naturalmente podemos suportar. Seja em uma partida de futebol ou em um concurso, "disputar" uma vaga ou um gol significa ganhar ou perder, estar dentro ou estar fora. Metaforicamente, é vida ou morte. Nesse nível de funcionamento emocional, pouca coisa é processada pelo neo córtex, a massa cinzenta que é capaz de elaborar pensamentos. Ora, se deixamos de usar nosso neo córtex, nossos comportamentos estão sendo gerenciados por qual cérebro? Nesse instante de pressão, estruturas cerebrais mais primitivas entram em cena e assumem o controle da situação. A consequência é que comportamentos automáticos surgem para dar alguma resposta ao ambiente árido e agressivo. Mesmo que não seja a resposta mais elaborada e mais adequada para o momento, essa resposta já deu resultado em algum cenário semelhante no passado. E a repetição vem e nos impede de alcançar resultados diferentes. Luís Soares chora por ser o que é, sem saber que pode ser mais.

Se você tem algum comportamento indesejado que compromete a sua performance, você precisa saber que esse comportamento, apesar de não ser funcional, tem alguma razão de estar ali. Assim, é muito difícil eliminá-lo subitamente. Entretanto, há um roteiro que você pode seguir para melhorar-se, caso sofra com algum comportamento indesejado:

1) Aumente seu grau de consciência sobre seus comportamentos inadequados - no nosso exemplo, Luís Soares já havia mordido outros dois jogadores, sem maiores conseqüências para sua carreira, o que provavelmente o impediu de enxergar o risco;

2) Aceitar que esse comportamento é automático e que há um gatilho que o dispara - seja a pressão, o medo, a ansiedade, etc, sempre há uma condição prévia para que o comportamento ocorra;

3) Assumir o controle antes que o gatilho seja disparado - de posse dessas informações, você pode assumir novamente o controle da situação com um treino simples, mas constante. Você pode parar por alguns segundos de olhos fechados e apenas respirar, pode imaginar-se em um lugar calmo, pode imaginar um futuro maravilhoso, pode tentar se lembrar do nome de sete capitais europeias ou qualquer outro mecanismo que impeça seu sistema de operar no modo "cenário-gatilho-comportamento-consequência";

4) Iniciar um comportamento mais eficaz no cenário - Luís Soares poderia, se estivesse no controle da situação, ter se esforçado para criar uma assistência para um companheiro de time ou mesmo marcar um gol, o que traria muito mais vantagens para ele e para seu time.

E assim se constroem histórias de sucesso e fracasso. Um único comportamento, uma única ação impensada pode comprometer meses ou anos de treinamento e dedicação. Agora você já sabe que comportamentos indesejados podem ser controlados e alterados por atitudes mais produtivas e que esses comportamentos existem como uma reação a um ambiente hostil. Se Luís Soares soubesse disso, ainda teria chance de habitar o Olimpo do Futebol. Agora é mais um anjo caído, vítima da sua ignorância.

Flávio Ribeiro de Paiva é Psicólogo formado pela UFRGS, Personal e Professional Coach pelo Behavioral Coaching Institute - New York, através da Sociedade Brasileira de Coaching - São Paulo. Está vinculado a outros grandes institutos de Coaching e Desenvolvimento humano no Brasil e no exterior e possui larga experiência pessoal de sucesso em provas e concursos de diversos órgãos, como Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, TRF-4 e Polícia Rodoviária Federal.