A possibilidade de tornar a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) mais acessível voltou ao centro das discussões em Brasília. Na terça-feira (2), a Comissão de Viação e Transportes (CVT) da Câmara dos Deputados realizou uma audiência pública para debater mudanças no atual modelo de formação de condutores no país.

O encontro reuniu autoridades, especialistas em trânsito, representantes de autoescolas e sindicatos, todos com um ponto em comum: o custo elevado para obtenção da habilitação tem sido um dos maiores obstáculos para milhões de brasileiros.

Segundo estimativas do governo federal, mais de 20 milhões de pessoas dirigem sem habilitação no país. Hoje, o valor médio para tirar a CNH nas categorias AB (carro e moto) gira em torno de R$ 3 mil, podendo ultrapassar R$ 5 mil em alguns estados.

Para famílias de baixa renda, esse valor torna-se abusivo. "Precisamos enfrentar essa barreira econômica, pois ela empurra motoristas para a ilegalidade e aumenta os riscos no trânsito", afirmou o secretário nacional de Trânsito, Adrualdo Catão, durante a audiência.

Valor da CNH por estado

Enquanto na Paraíba o custo para fazer a primeira habilitação nas categorias 'A' e 'B' seja o mais barato do país, de R$ 1.950,40, no Rio Grande do Sul ele é quase o triplo e chega a R$ 4.941,35. Essa discrepância de valores é o que projeto quer evitar.

Para isso, uma das medidas é autorizar que instrutores autônomos credenciados, além das autoescolas, possam oferecer aulas, criando uma concorrência maior e, por consequência, valores menores da hora aula. Veja o valor cobrado pela CNH 'AB' por estado em 2025:

Créditos: Divulgação/Governo Federal
Créditos: Divulgação/Senatran

O secretário explicou que o projeto ainda está em fase de elaboração e, quando concluído, será submetido a consulta pública. A ideia é que sociedade civil, especialistas em mobilidade, federações e representantes do setor produtivo possam enviar sugestões. "Queremos um texto construído de forma coletiva, equilibrando acessibilidade e segurança", disse Catão.

Caminhos para reduzir custos

Um dos principais pontos de análise é a flexibilização das exigências para a etapa teórica da formação. Atualmente, o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) prevê aulas presenciais em autoescolas. A proposta em discussão sugere que esses conteúdos possam ser oferecidos também a distância (EAD), ampliando as possibilidades para os candidatos e diminuindo despesas.

Outro eixo do projeto é a etapa prática. O governo estuda autorizar que instrutores autônomos credenciados, além das autoescolas, possam oferecer aulas. A medida tem potencial para ampliar a concorrência e reduzir o preço final pago pelos futuros motoristas.

Também está em debate a revisão da obrigatoriedade de 20 horas mínimas de prática antes do exame, considerada por especialistas como um dos fatores que encarecem o processo. "O ensino precisa ser adaptado à realidade atual, com uso de tecnologias, análise de riscos e métodos mais modernos. O modelo engessado que temos hoje não responde à necessidade de reduzir acidentes nem ao custo que a população enfrenta", ressaltou Francisco Garonce, vice-presidente do Instituto Nacional de Projetos para Trânsito e Segurança.

Queda nas emissões

Os dados oficiais mostram que cada vez menos brasileiros conseguem tirar a primeira habilitação. Segundo o Registro Nacional de Habilitação (Renach), em 2022 foram emitidas 2,8 milhões de CNHs. Já em 2024, o número caiu para 2,58 milhões, uma queda de 7,5%. Até agosto de 2025, o total registrado foi de 1,61 milhão de documentos, sinalizando nova retração.

Para especialistas, essa redução tem efeitos diretos no setor de transportes. "Vivemos um cenário de escassez de mão de obra. O transporte de cargas opera com déficit de 65% de motoristas, e o de passageiros, com falta de 55%. A dificuldade de acesso à habilitação agrava essa crise", explicou Roberta Diniz, gerente executiva do SEST/SENAT.

Embora exista consenso sobre a necessidade de modernizar o processo, as propostas ainda geram divergências. Representantes das autoescolas defendem que a flexibilização não comprometa a qualidade da formação, enquanto especialistas em segurança viária pedem atenção para que a redução de custos não signifique queda no preparo técnico dos motoristas.

Participaram também do debate Marcelo Soletti (Associação Nacional dos Detrans), Jean Rafael Sanches (Federação Nacional das Autoescolas), José Robson Alves do Couto (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Terrestres), Marcus Quintella (FGV Transportes) e Ygor Gomes Valença (Confederação Nacional do Comércio).

O projeto seguirá em construção nos próximos meses, sob coordenação da Secretaria Nacional de Trânsito. Após consulta pública, deverá ser encaminhado formalmente ao Congresso.

A expectativa é de que, se aprovado, o novo modelo reduza significativamente os custos da habilitação, sem abrir mão da segurança no trânsito.

"Se continuarmos fazendo o mesmo, teremos os mesmos resultados: motoristas sem preparo e milhares de mortes todos os anos. O objetivo é transformar a formação de condutores em uma ferramenta de segurança, mas também de inclusão social", concluiu Catão.