A Justiça do Estado do Amazonas determinou a suspensão imediata do concurso público da Prefeitura de Urucurituba, no interior do estado, após constatar uma série de irregularidades graves na condução do certame. A decisão, assinada pelo juiz Gleildson Lima e publicada na última quinta-feira (3), atendeu a uma Ação Civil Pública movida pelo Ministério Público do Estado do Amazonas (MPAM), representada pelo promotor Kleyson Barroso.
O concurso, organizado pelo Instituto Merkabah, previa o provimento de mais de 773 vagas em cargos das áreas de educação, saúde, assistência social e administração pública, por meio dos editais nº 02/2023, 03/2023 e 04/2023. Contudo, de acordo com o magistrado, as falhas encontradas no processo foram de tal gravidade que comprometem a lisura, transparência e validade jurídica de todo o certame.
A sentença também determina o afastamento imediato de todos os candidatos já nomeados, sob pena de multa diária de R$ 10 mil ao prefeito municipal em caso de descumprimento.
Além disso, o juiz ordenou que o município e o Instituto Merkabah se abstenham de realizar qualquer novo ato administrativo relacionado ao concurso até que todas as irregularidades sejam apuradas.
Quais as irregularidades encontradas
O MPAM identificou uma série de falhas estruturais e administrativas que ferem os princípios da legalidade, impessoalidade e publicidade, pilares da administração pública previstos no artigo 37 da Constituição Federal.
Entre as irregularidades apontadas estão:
- Ausência de base legal - Segundo o MP, os editais foram publicados antes da entrada em vigor das leis municipais que criaram os cargos, o que torna todo o processo nulo de origem. Ou seja, a Prefeitura abriu vagas que ainda não existiam legalmente.
- Falta de transparência - O órgão de controle constatou que os editais não estavam devidamente disponíveis no Portal da Transparência, o que impediu o acesso público às informações, como número de vagas, critérios de avaliação e cronogramas.
- Violação de direitos de pessoas com deficiência (PCD) - Foi cobrada taxa de inscrição de candidatos com deficiência, o que contraria a legislação federal. Além disso, a reserva de 20% das vagas obrigatórias por lei não foi respeitada.
- Discriminação de gênero - O edital nº 04/2023, referente à Guarda Municipal, previa apenas 11 das 60 vagas destinadas a mulheres, medida considerada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
- Irregularidades na Guarda Municipal - O documento previa que os aprovados poderiam exercer suas funções antes mesmo da conclusão do curso de formação obrigatório, o que fere normas de segurança pública.
- Suspeitas de favorecimento político - O MPAM também recebeu denúncias de que vagas teriam sido direcionadas a pessoas ligadas a autoridades locais, o que levanta suspeitas de uso político do concurso.
Decisão judicial reforça a gravidade da situação
Na decisão, o juiz Gleildson Lima destacou que as irregularidades apontadas não se tratam de meras falhas formais, mas de problemas estruturais e de legalidade, suficientes para anular integralmente os efeitos do concurso.
"É inaceitável que um certame público seja conduzido à revelia das normas que o regem, sem a devida transparência e com indícios de direcionamento. O concurso público deve servir à meritocracia e à igualdade de oportunidades, e não a interesses particulares", afirmou o magistrado em sua decisão.
A Justiça determinou que o Instituto Merkabah apresente, em até 10 dias úteis, toda a documentação relacionada ao concurso, incluindo comprovantes de publicação dos editais, atas de reunião da comissão organizadora e registros de pagamentos de taxas de inscrição.
Tribunal de Contas já havia apontado ilegalidades
Vale destacar que o Tribunal de Contas do Estado do Amazonas (TCE-AM) já havia emitido, em junho de 2025, um parecer desfavorável ao edital nº 03/2023, que tratava das vagas na área da saúde e assistência social.
Na ocasião, o TCE-AM considerou o edital ilegal por apresentar "vícios insanáveis" e recomendou sua anulação imediata. Mesmo assim, a Prefeitura de Urucurituba optou por manter o processo seletivo, o que agora se reflete na decisão judicial de suspensão total do certame.
O órgão de controle também destacou falta de estudos técnicos prévios sobre a necessidade real dos cargos ofertados, ausência de estimativa de impacto orçamentário e indícios de contratação irregular da banca organizadora.
O que diz a Prefeitura e a banca
Até o fechamento desta reportagem, a Prefeitura de Urucurituba ainda não havia se manifestado oficialmente sobre a decisão judicial. No entanto, fontes ligadas ao Executivo municipal afirmam que a Procuradoria do Município pretende recorrer da decisão junto ao Tribunal de Justiça do Amazonas (TJ-AM).
O Instituto Merkabah, responsável pela execução do concurso, também ainda não se pronunciou publicamente. Em sua página oficial, o instituto apenas informou que o concurso está "temporariamente suspenso por decisão judicial" e que os candidatos devem aguardar novas orientações.
Com a decisão da Justiça, todos os atos administrativos derivados do concurso ficam congelados até nova ordem. Isso inclui nomeações, posse e exercício de cargos, além de qualquer pagamento de taxas pendentes ou etapas complementares, como exames médicos e cursos de formação.
O MPAM informou que seguirá investigando o caso para apurar a responsabilidade individual de servidores e autoridades envolvidas. Caso sejam comprovados atos de improbidade, o Ministério Público poderá ingressar com ações civis e criminais contra os responsáveis.
Não quer perder nenhum concurso? Veja a lista de todos clicando em nossos links abaixo: