Desde os primeiros indícios de irregularidades no Concurso Nacional Unificado (CNU) 2024, a Polícia Federal (PF) suspeita que o escândalo de fraudes envolvendo uma família de Patos na Paraíba pode ser apenas a ponta do iceberg.
Investigadores apontam que o esquema criminoso pode ter alcançado proporções muito maiores do que se imaginava, abrangendo não apenas candidatos que fraudaram diretamente, mas também "clientes" que contrataram o serviço ilícito para turbinar seus currículos acadêmicos.
O caso que mais chama atenção entre os investigadores envolve agora uma jovem candidata de Pernambuco, cuja trajetória absurda de aprovações em concursos públicos despertou suspeita. Ela apresenta uma sequência de feitos incomuns: aprovada em medicina e direito, diversas outras carreiras públicas, e por fim, aprovada como Auditor-Fiscal do Trabalho no CNU 2024 (o mesmo cargo dos fraudadores). O ponto de virada da investigação foi a constatação de que seu gabarito na prova era absolutamente idêntico ao de Wanderlan Limeira de Sousa, ex-policial militar apontado como o líder do esquema. Com base nisso, a PF considera que "há indícios fortes" de participação da candidata na fraude.
Perfil ousado que despertou suspeitas
Em matéria divulgada pelo site Metrópoles, a PF suspeitou da trajetória dessa candidata por ser considerada "boa demais para ser verdade" por peritos. A combinação de aprovações em cursos de medicina e direito, em universidades federais, aliada à aprovação em auditoria fiscal, em um concurso de altíssima concorrência, levantou fortes bandeiras vermelhas. Essa suspeita ganhou ainda mais força quando documentos digitais associados a ela foram conectados ao núcleo do esquema.
Em um dos arquivos, datado de janeiro de 2024, há menções à aprovação de Wanderlan no concurso do Banco do Brasil, reforçando a tese de que ela já estava "ligada" ao grupo fraudador antes mesmo do CNU sair.
A PF hoje trabalha com a hipótese de que essa candidata seja uma das "clientes" da quadrilha, ou seja, alguém que contratou o serviço de fraude para garantir o êxito nos concursos. Em outras palavras, não seria meramente uma fraudadora direta, mas parte da rede remunerada que comprava a aprovação.
Extensão do esquema e suspeitas de redes maiores
Segundo a PF, o método empregado pelo grupo já é conhecido. Uso de pontos eletrônicos durante as provas, falsificação de documentos para substituição de aplicadores ou candidatos, e principalmente, vazamento antecipado de provas e gabaritos, o que ainda desperta investigação da PF junto a banca, a Fundação Cesgranrio. O caso da candidata pernambucana reforça a hipótese de que o esquema operou em escala.
Já foram cumpridos mandados judiciais em três estados, Paraíba, Pernambuco e Alagoas, no âmbito da operação batizada de "Última Fase". A PF informou que as fraudes envolvem não apenas o CNU, mas também concursos de Polícias Civis estaduais, da UFPB e até de bancos federais.
Dos investigados, já são pelo menos 16 candidatos identificados com envolvimento direto no esquema. Alguns deles haviam sido aprovados e nomeados em cargos públicos, mas foram afastados depois que a investigação veio à tona. Os crimes que pesam sobre o grupo incluem fraude em certame público, falsificação documental, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Quatro gabaritos "idênticos" chamam atenção
O escândalo ganhou repercussão nacional quando ficou comprovado que quatro candidatos apresentaram gabaritos praticamente idênticos, com mesmos erros e respostas correlacionadas.
Todos eles tinham notas baixas na redação e estavam ligados geograficamente à cidade de Patos (PB). Entre os envolvidos estão Wanderlan, seu irmão Valmir, a sobrinha Larissa e o policial Ariosvaldo. Veja os gabaritos:

A participação de Luiz Paulo, servidor da Justiça Federal do Rio de Janeiro, também é objeto de apuração. Ele é suspeito de envolvimento em dezenas de fraudes em concursos anteriores e teria sido aprovado no CNU sem nunca ter realizado o curso de formação, o que sustenta a tese de que sua participação foi mais simbólica do que efetiva.
Curiosamente, Wanderlan e Luiz Paulo, embora aprovados, não compareceram ao curso de formação. Essa ausência levanta a hipótese de que eles atuaram sobretudo para demonstrar a eficácia do esquema aos demais clientes, fortalecendo a confiança dos contratantes da fraude.
Repercussão institucional e medidas preventivas
O escândalo forçou o Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI) a emitir uma nota reafirmando apoio às investigações da PF e garantindo que mecanismos de fiscalização serão reforçados no próximo CNU.
Veja a nota oficial do MGI:
"O Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos informa que tem apoiado, desde o início, as investigações da Polícia Federal sobre fraudes em concursos públicos, entre elas, uma fraude pontual durante a aplicação da prova da primeira edição do Concurso Público Nacional Unificado. O MGI vem acompanhando os desdobramentos da operação e, em conjunto com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, a Polícia Federal e demais forças de segurança, ampliou os mecanismos de fiscalização para garantir maior segurança, transparência e integridade na prova do CPNU 2."
Apesar dos casos detectados, o governo sustenta que não há indício de fraude em massa, apenas fraudes pontuais. Porém, o perfil da candidata investigada reforça o receio de que os casos identificados sejam apenas a ponta de uma rede mais ampla.
Especialistas em direito e concursos públicos alertam que o episódio pode exigir a reformulação completa dos protocolos de segurança em seleções de grande porte. Impressão criptografada, biometria em tempo real, lacres seguros e fiscalização eletrônica estrita são algumas das medidas defendidas.
Próximos passos e linhas de investigação
A PF agora concentra esforços em rastrear movimentações financeiras, comunicações entre os suspeitos e intermediações contratuais entre fraudadores e candidatos. A expectativa é que mais nomes sejam identificados nas próximas fases da operação.
Além disso, os investigadores buscam identificar outros candidatos com históricos "superaprovados" semelhantes, cujos gabaritos coincidam com os dos já investigados, potencialmente revelando a extensão real do esquema.
Por fim, o resultado dessas investigações poderá provocar anulações parciais de concursos, revisões de nomes aprovados e até responsabilização de autoridades coniventes.
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