No mês de maio deste ano foi aprovado e sancionada a Lei Complementar nº 173 de 27/05/2020. Nessa nova lei, foi apresentado o programa federativo de enfrentamento ao coronavírus (covid-19) e estabelecido medidas relacionadas a pandemia.

De acordo com a nova legislação apresentada, art. 10, foram suspensos os prazos de validade dos concursos públicos já homologados a partir do dia 20 de março, em todo o território nacional, até o término da vigência do estado de calamidade pública estabelecido pela União (até o dia 31 de dezembro de 2020). Assim, aprovados nas seleções em andamento ficaram mais tranquilos, mas isso ainda pode mudar.

A partir da análise da nova norma, é possível questionar a sua constitucionalidade, ou no caso, a sua inconstitucionalidade. Antes de fazer uma análise da norma, é importante entendermos (ou reforçarmos para aqueles que entendem mais afundo sobre o tema) o que seria a constitucionalidade ou inconstitucionalidade de uma norma. Nas palavras do doutrinador e Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Moraes, "controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo com a Constituição, verificando seus requisitos formais e materiais".

Desta forma, é possível questionar a constitucionalidade da Lei 173. O texto é claro, em seu parágrafo III do art. 37 que "o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável uma vez, por igual período". Assim, o texto constitucional não prevê a suspensão de validade do prazo do concurso público em nenhum dos seus trechos, mas tão somente a possibilidade de prorrogação do prazo por igual período. Ainda, uma norma infraconstitucional, como é o caso da a Lei Complementar nº 173, não seria capaz de regulamentar matéria constitucional de eficácia plena.

Assim, ao não prever regulamentação por lei específica, por lei regulamentar, ou qualquer outro ato normativo, a norma constitucional a qual se debruça o questionamento é de eficácia plena, isto é, o texto constitucional define tão somente "que o prazo de validade do concurso público será de até dois anos, prorrogável por igual período." Não haveria, portanto, amparo para uma nova legislação infraconstitucional estabelecer uma nova hipótese de alteração do lapso temporal do prazo de validade do concurso público.

A criação de uma nova lei, como é o caso da Lei Complementar nº 173 de 2020, afronta a previsão legal contida no artigo 37 e parágrafos do texto constitucional e o próprio principio do concurso público. Ou seja, o Poder Legislativo, não pode criar uma lei que amplie ou restrinja a interpretação do art. 37 do texto constitucional, sem previsão constitucional própria para isso. Logo, o dispositivo legal que amplia as hipóteses legais de alteração do prazo de validade dos concursos públicos, inserindo a suspensão de validade do concurso enquanto durar o estado de calamidade pública, seria inconstitucional.

Ainda, como é estudado por alguns concurseiros na matéria de Controle de Constitucionalidade do Direito Constitucional, podemos verificar que existem duas espécies de controle de constitucionalidade: o controle difuso e o controle concentrado de constitucionalidade.

A grosso modo e em regra geral, o controle difuso de constitucionalidade analisa a inconstitucionalidade no caso concreto e em cada processo, para as partes envolvidas no processo, podendo ser julgado por qualquer juiz de direito, possuindo efeitos "inter partes", ou seja, somente para as partes daquele processo. Já o controle concentrado de constitucionalidade, por sua vez, analisa uma inconstitucionalidade de uma lei geral, podendo ser julgada somente pelos Tribunais Superiores (STF ou STJ) e possui efeitos "erga omnes" o qual seja: para todos; estejam eles envolvidos no processo ou não.

Restrição de concursos também foi abordada

Inclusive, com base no controle concentrado de constitucionalidade, a Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital) acionou o STF justamente contra a Lei Complementar nº 173 de 2020, que restringe os concursos públicos até o ano de 2021.

A entidade que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade alegou vício no processo legislativo e violação ao pacto federativo, bem como inconstitucionalidade material, por violação ao princípio do concurso público.

O STF, em decisão do Relator Ministro Alexandre do Moraes extinguiu a ação, sem julgar se a lei impugnada era ou não inconstitucional. Nas razões do Ministro Alexandre de Moraes, a Fenafisco não possuía legitimidade para representar todos os envolvidos e atingidos com a legislação questionada.

Enquanto não há uma definição dos Tribunais Superiores acerca do tema, a suspensão do prazo de validade dos concursos públicos continua sendo válida, de forma geral e sua constitucionalidade pode ser discutida a luz do entendimento de cada juiz de direito, conforme cada caso concreto, por meio do controle difuso de constitucionalidade.

Fato é que, por a Lei Complementar nº 173 de 2020 ser uma legislação ainda muito nova, haverá muitas discussões acerca da legalidade ou ilegalidade da suspensão dos prazos de validade dos concursos públicos.

Inclusive, esta nova lei que embasa a suspensão dos prazos de validade dos concursos é uma lei tão complexa que a própria Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), por meio de recente parecer público, divulgado em setembro deste ano, passou a adotar uma nova interpretação dada a ela.