O Bolsa Família, principal programa de transferência de renda do Brasil, voltou a registrar uma fila de espera expressiva em setembro de 2025. De acordo com dados oficiais, mais de 750 mil famílias pré-habilitadas aguardam inclusão no programa, enquanto o orçamento federal destinado aos pagamentos atinge seu limite máximo.

A situação reacende debates sobre a sustentabilidade financeira do programa e revela um cenário de exclusão silenciosa de famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica.

Redução de beneficiários e aumento da fila

Nos últimos quatro meses, o número de famílias beneficiárias do Bolsa Família caiu em 1,4 milhão. Em junho, o programa atendia a 20,5 milhões de famílias. Já em setembro, esse número foi reduzido para 19,07 milhões, uma queda de aproximadamente 7%.

Evolução no número de beneficiários em 2025:

  • Junho: 20.499.027
  • Julho: 19.643.895 (-855.132)
  • Agosto: 19.192.507 (-451.388)
  • Setembro: 19.070.938 (-121.569)

Enquanto isso, o número de pré-habilitados só cresce, uma vez que, em setembro, 848 mil famílias estavam aptas a entrar no programa, mas apenas 97 mil foram incluídas, representando apenas 11,4% do total. Enquanto isso, em agosto, o cenário foi semelhante: 114 mil inseridas entre 823 mil elegíveis.

Ministério admite limitação orçamentária

Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) afirmou, por meio de nota, que não há prazo fixo para a inclusão das famílias na fila de espera.

"Os fluxos de entrada e saída de famílias ocorrem mensalmente e estão vinculados também ao orçamento do programa", informou a pasta.

O ministério acrescenta que as análises são automatizadas e impessoais, levando em consideração critérios de elegibilidade, atualização cadastral e qualidade das informações do Cadastro Único (CadÚnico).

Orçamento 2025 já consumiu 75% dos recursos

Para o ano de 2025, o Congresso Nacional aprovou um orçamento de R$ 158,6 bilhões para o Bolsa Família, cerca de R$ 9,6 bilhões a menos do que no ano anterior.

Até setembro, o programa já havia utilizado R$ 120 bilhões (75,6% do total). Considerando que a folha de setembro custou R$ 12,9 bilhões, o valor restante (cerca de R$ 38,6 bilhões) é suficiente apenas para manter os pagamentos atuais até dezembro, sem margem para novos ingressos.

Questionado sobre um eventual pedido de suplementação orçamentária, o MDS não respondeu ao UOL Economia até a publicação desta reportagem.

Por que tantos foram desligados do programa?

Dois fatores principais explicam a redução significativa no número de beneficiários:

1. Fim da Regra de Proteção

Criada em julho de 2023, essa regra permitia que famílias que ultrapassassem a linha de pobreza (meio salário mínimo por pessoa) continuassem recebendo o benefício por mais 24 meses.

Em julho de 2025, o prazo expirou para 536 mil famílias, que foram automaticamente desligadas do programa. O governo celebrou o aumento de renda dessas famílias, mas especialistas apontam que muitas delas ainda vivem em situação de vulnerabilidade, mesmo com renda ligeiramente superior ao limite oficial.

2. Fiscalização e pente-fino no CadÚnico

Em paralelo ao fim da regra de proteção, o governo realizou amplas revisões cadastrais. Segundo dados oficiais:

  • 576 mil famílias tiveram os benefícios cancelados definitivamente, a maioria por não responderem à convocação de atualização cadastral;
  • Outras 675 mil tiveram os pagamentos bloqueados, por inconsistências ou falta de atualização no CadÚnico.

Além disso, condicionalidades obrigatórias como frequência escolar e vacinação também impactaram. Em agosto, 40 mil famílias foram suspensas do programa por não comprovarem o cumprimento das exigências por dois meses consecutivos.

Fila cresce mês a mês: veja histórico recente

Desde abril, a fila para ingressar no Bolsa Família voltou a crescer mês a mês. Em abril, apenas 6 famílias estavam na lista. Em setembro, o número disparou para 750.451, segundo maior número já registrado sob o governo Lula.

Fila de espera em 2025:

  • Abril: 6
  • Julho: 176.549
  • Agosto: 709.135
  • Setembro: 750.451

Atualmente, para receber o benefício, a família precisa estar inscrita e com dados atualizados no CadÚnico, possuir renda mensal de até R$ 105 por pessoa (extrema pobreza) ou renda entre R$ 105,01 e R$ 218 por pessoa (pobreza), desde que tenha crianças, adolescentes, gestantes ou nutrizes.

Impactos sociais e preocupação com 2026

A atual limitação orçamentária do Bolsa Família acende alertas tanto em nível social quanto fiscal. Com a aproximação do fim do ano, não há margem para inclusão de novos beneficiários, o que deve prolongar ou até ampliar a fila em 2026.

Organizações da sociedade civil têm criticado a falta de transparência sobre os critérios de corte e a ausência de uma resposta efetiva do governo quanto ao financiamento do programa. Uma vez que isso é um retrato da vulnerabilidade de centenas de milhares de famílias brasileiras e da limitação do Estado em garantir a proteção social básica.