O Tribunal de Contas da União (TCU) entrou em cena para apurar supostas irregularidades nos pagamentos do programa Pé-de-Meia, uma das principais apostas do governo Lula (PT) para combater a evasão escolar no ensino médio.

O ministro Augusto Nardes determinou que representantes do Ministério da Educação (MEC), Ministério da Fazenda e da Caixa Econômica Federal prestem explicações formais sobre a execução financeira do programa, que já movimentou R$ 3 bilhões em 2025, segundo revelações do UOL.

"Orçamento paralelo" e ausência de controle

O Pé-de-Meia foi criado para oferecer incentivo financeiro mensal a estudantes do ensino médio da rede pública, com o objetivo de reduzir a evasão escolar e garantir que os jovens concluam os estudos.

No entanto, em análise preliminar, técnicos do TCU apontaram o uso de um "orçamento paralelo" para bancar o programa, o que poderia representar uma grave infração às normas de finanças públicas.

A movimentação financeira foi feita fora do Orçamento Geral da União, usando um fundo privado com valores públicos, o que contraria o princípio da unidade orçamentária previsto na Constituição.

O fato de os dados sobre os beneficiários e os valores pagos não estarem disponíveis publicamente também levanta suspeitas sobre a gestão do programa. A ausência de transparência contraria a própria lei que criou o Pé-de-Meia, a qual obriga a publicação dos dados de execução orçamentária.

O despacho assinado pelo ministro Augusto Nardes detalha uma série de informações exigidas dos órgãos envolvidos:

  • Critérios de seleção dos estudantes beneficiados;
  • Lista completa dos beneficiários, com valores e datas dos pagamentos;
  • Local onde a lista está divulgada;
    Valor da dotação orçamentária para o Pé-de-Meia em 2025;
  • Fluxo de operação do programa, desde a escolha dos estudantes até o pagamento nas contas;
  • Cópias de e-mails, ofícios e documentos trocados entre MEC, Fazenda, Caixa e Fipem;
  • Pareceres técnicos da Fazenda e da Secretaria de Orçamento Federal sobre a legalidade da operação;
  • Pareceres sobre a Medida Provisória e a lei que criou o programa, incluindo os vetos presidenciais.

Além do MEC, deverão prestar esclarecimentos por escrito ao TCU a Caixa Econômica Federal, operadora do fundo Fipem, a própria Fipem, fundo privado onde os recursos foram depositados, além do Tesouro Nacional e a Secretaria de Orçamento Federal, ambos ligados ao Ministério da Fazenda.

Tentativa de evitar investigação

Nos bastidores, ministros do governo têm tentado impedir a abertura formal da investigação. Segundo informações obtidas pelo UOL, Camilo Santana (Educação), Rui Costa (Casa Civil), Jorge Messias (AGU) e a secretária-executiva da Casa Civil, Miriam Belchior, procuraram o ministro Nardes para tentar conter os avanços do processo.

Apesar das tentativas, o ministro manteve o despacho e aguarda o envio das explicações para decidir se suspende provisoriamente os pagamentos do Pé-de-Meia, conforme solicitado pelo subprocurador do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado.

Podemos destacar que o alerta sobre a falta de autorização legislativa para os saques do Fipem foi dado anteriormente, ainda em 2023. Na época, o Congresso autorizou o repasse de R$ 6,1 bilhões ao fundo, mas não houve autorização específica para os saques e pagamentos diretos aos estudantes em 2024, o que poderia configurar desvio de finalidade.

Apesar disso, o governo deu início aos repasses, sem atualizar os trâmites legais junto ao Congresso. O Ministério da Educação sustenta que cumpriu os procedimentos legais previstos na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ao não divulgar informações detalhadas sobre os beneficiários, mas especialistas afirmam que a própria lei do Pé-de-Meia exige transparência pública dos dados de execução.

Falta de transparência e remoção de dados

Após a publicação das reportagens, a Caixa Econômica retirou do ar dados sobre os gastos do programa, aumentando ainda mais o grau de opacidade na execução orçamentária. Nem mesmo dados agregados com valores pagos ou o número de beneficiários foram mantidos disponíveis.

A ausência de estatísticas impede o controle social e o acompanhamento por parte de órgãos de fiscalização, o que, segundo o TCU, pode representar grave omissão do dever de prestação de contas por parte do governo.

Analistas de contas públicas e especialistas em orçamento afirmam que o modelo adotado pelo governo para operar o Pé-de-Meia não encontra amparo na legislação vigente.

Além disso, o uso de uma estrutura paralela ao orçamento abre brechas para manobras fiscais e contábeis, semelhantes às que levaram à condenação de ex-gestores no passado por operações conhecidas como "pedaladas fiscais".

Próximos passos no TCU

Com base nas respostas que devem ser enviadas pelos órgãos citados, o ministro Augusto Nardes avaliará se há elementos suficientes para abrir uma investigação formal. Também está em análise o pedido de suspensão imediata dos pagamentos do Pé-de-Meia, que poderia afetar milhões de estudantes em todo o país.

Se a suspensão for determinada, o impacto pode ser significativo na política de educação pública, especialmente entre alunos de baixa renda, que dependem do valor mensal como complemento de renda.

O Ministério da Educação, no entanto, reafirmou que os recursos para o fundo foram autorizados em 2023 e que estão em conformidade com a LGPD. Entretanto, não respondeu se havia autorização para os saques em 2024, nem esclareceu por que os dados do programa foram retirados do ar.