O Tribunal de Contas da União (TCU) divulgou nesta semana um relatório que acende um sinal de alerta para o futuro do Bolsa Família, o principal programa de transferência de renda do Brasil.
O documento revela fragilidades estruturais na gestão do programa, ineficiência na fiscalização local, além da falta de critérios técnicos para aceitação de erros, o que pode prejudicar tanto famílias que dependem do benefício quanto o próprio orçamento público.
O relatório vem em um momento delicado, quando o governo federal ainda não confirmou se haverá reajuste nos valores do Bolsa Família para 2026, o que já provoca apreensão entre economistas, parlamentares e milhões de beneficiários.
Ausência de critérios de erro aceitável preocupa
Uma das principais críticas do TCU é sobre a falta de definição por parte do governo sobre o "apetite a risco", termo técnico que se refere ao nível de erro admissível em programas sociais. O indicador é fundamental para que as políticas públicas saibam até onde podem ir sem comprometer a equidade, a eficiência e a legalidade na concessão de benefícios.
Atualmente, o Bolsa Família não possui critérios claros sobre quantas famílias podem ser incluídas erroneamente ou quantas podem ser excluídas injustamente, mesmo estando dentro dos critérios socioeconômicos do programa.
Falhas na gestão descentralizada: 90% das cidades descumpriram visitas
Outro ponto levantado pelo TCU é a fragilidade na execução descentralizada do Bolsa Família, uma vez que, embora o governo federal seja o responsável pelas diretrizes do programa, a verificação das condições das famílias depende das prefeituras, que enfrentam sérias dificuldades operacionais.
Entre 2019 e 2023, mais de 90% dos municípios brasileiros não cumpriram o índice mínimo de visitas domiciliares exigido para garantir a atualização e veracidade dos dados no Cadastro Único (CadÚnico), que é a base do programa.
As causas são múltiplas, como falta de pessoal qualificado, alta rotatividade dos entrevistadores sociais, pouca oferta de capacitação técnica e suporte federal insuficiente.
Em muitos casos, os municípios também adotaram métodos não padronizados para checar as informações dos cadastros, prejudicando a uniformidade e a confiabilidade dos dados.
Outro ponto crítico analisado pelo TCU é o modelo do Benefício Complementar, introduzido na atual reformulação do programa em 2023. O mecanismo garante que todas as famílias recebam no mínimo R$ 600 mensais, independentemente do número de integrantes.
Segundo a corte de contas, isso diminui a eficiência do programa e cria distorções significativas, visto que famílias menores acabam recebendo mais por pessoa do que famílias maiores, contrariando o objetivo de proporcionalidade e justiça social.
De acordo com cálculos apresentados na auditoria, se o benefício fosse ajustado conforme o tamanho das famílias, seria possível economizar até 9,1% do orçamento anual do programa, ou, ainda, aumentar a redução da pobreza em até 7,2%, com a mesma verba.
Impactos fiscais e incertezas para 2026
O relatório do TCU chega em meio às discussões sobre o orçamento federal de 2026, já que o governo ainda não sinalizou qualquer reajuste nos valores do Bolsa Família para o próximo ano, o que pode representar, na prática, perda de poder de compra para milhões de famílias, especialmente em um cenário de inflação acumulada nos alimentos e na energia.
Parlamentares da base governista e da oposição já pressionam o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social para que haja, no mínimo, uma correção inflacionária.
Governo promete resposta até outubro
Procurado, o Ministério do Desenvolvimento Social afirmou que analisa o relatório do TCU com atenção e que uma resposta formal será encaminhada até o fim de outubro. O governo também estuda a possibilidade de rever o modelo de Benefício Complementar e ampliar o suporte técnico às prefeituras, segundo fontes da pasta.
No entanto, interlocutores do Planalto admitem que o espaço fiscal para ampliar o Bolsa Família em 2026 é extremamente limitado, diante das restrições impostas pelo novo arcabouço fiscal e da estagnação na arrecadação.
É inegável que o relatório do TCU lança luz sobre problemas estruturais que o Bolsa Família ainda enfrenta, apesar de sua importância crucial no combate à pobreza, visto que essa ausência de critérios claros de erro, falhas operacionais nos municípios e distorções nos pagamentos são gargalos que precisam ser resolvidos com urgência.
A possível ausência de reajuste para 2026 agrava ainda mais a situação e coloca o governo federal diante da escolha difícil de ajustar o orçamento sem comprometer a efetividade do programa ou manter o valor atual, aceitando sua erosão diante da inflação.
Enquanto isso, as mais de 21 milhões de famílias beneficiadas aguardam não apenas por números, mas por justiça social e eficiência na gestão pública.
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