A reforma tributária, considerada crucial pelo governo para impulsionar a economia do Brasil, ainda enfrenta alguns obstáculos a serem superados para avançar no Congresso Nacional. Na semana passada, o relator da reforma tributária na Câmara dos Deputados, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), divulgou a versão preliminar de sua proposta, que representa o primeiro passo nas discussões legislativas. Isso significa que o texto ainda está sujeito a alterações.

O presidente da Câmara, Arthur Lira, afirmou na última quinta-feira (22) que a apresentação do texto iniciará um diálogo sobre o debate federativo, ou seja, a alocação de recursos da União para estados e municípios, bem como questões setoriais relacionadas à carga tributária em cada setor da economia.

"Apresentamos o texto para que possamos iniciar uma conversa preliminar, ouvir sugestões, críticas e, a partir daí, tanto os estados no aspecto federativo quanto todos os setores produtivos do Brasil, que geram emprego e renda em diversas áreas, possam ter conhecimento desse texto em um cronograma de discussão abrangente", disse Arthur Lira.

Lira destacou que as demandas que não puderem ser incorporadas ao texto final poderão ser modificadas durante a tramitação da proposta no plenário da Câmara. Ou seja, a aprovação ainda deve demorar, a contragosto do governo.

O secretário extraordinário da reforma tributária do Ministério da Fazenda, Bernard Appy, enfatizou que o debate setorial e a questão federativa são sim temas delicados. No entanto, ele observou que o relatório preliminar apresentado nesta semana já busca abordar essas questões.

Impasse na Reforma Tributária

Apesar de ser uma prioridade, a reforma tributária é considerada politicamente complexa. Diversos governos tentaram, sem sucesso, promover mudanças no sistema de impostos nas últimas décadas.

As propostas enfrentaram resistências regionais, partidárias e de diferentes setores produtivos, todos representados no Congresso Nacional. A maioria não quer ser prejudicada e o governo também não pode abrir mão de recursos em favor de um ou outro setor.

O governo tem a expectativa de que a proposta seja votada na Câmara antes do início do recesso parlamentar, previsto para 18 de julho. Ainda assim, é bem improvável que isso de fato ocorra.

Questão setorial

Com a reforma tributária em andamento, haverá uma redistribuição da carga tributária entre os diferentes setores da economia devido à implementação de uma alíquota geral estimada em 25%, uma das mais altas do mundo.

Alguns setores, como serviços e agropecuária, preveem um possível aumento em sua carga tributária. Eles argumentam que isso poderá resultar em inflação, perda de renda e até mesmo desemprego.

Para tentar mitigar esses problemas, a versão preliminar do relatório apresentado pelo relator incluiu algumas atividades e produtos que poderão contar com alíquotas menores, equivalente à metade da alíquota geral. São eles:

  • Serviços de transporte público coletivo urbano, semiurbano ou metropolitano;
  • Medicamentos;
  • Dispositivos médicos e serviços de saúde;
  • Serviços de educação;
  • Produtos agropecuários, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura;
  • Insumos agropecuários, alimentos destinados ao consumo humano e produtos de higiene pessoal da cesta básica.

Na última semana, a Confederação Nacional de Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) divulgou um estudo que estima que uma alíquota de 25% para o futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA) poderia ameaçar 3,8 milhões de empregos no setor de serviços.

A CNC também argumenta que a proposta do relator poderia resultar em um aumento da carga tributária acima de 170% no setor de serviços e de 40% no comércio.

"Embora a reforma tributária seja essencial para o desenvolvimento econômico do país, não pode prejudicar o setor de serviços, que tem liderado o avanço e foi o primeiro a auxiliar os brasileiros na recuperação pós-pandemia", afirmou José Roberto Tadros, presidente da CNC.

A Associação Brasileira de Supermercados (Abras) demonstrou surpresa com o texto da proposta de reforma tributária do relator Aguinaldo Ribeiro, pois ele não prevê isenção para a cesta básica. Em vez disso, propõe uma tributação reduzida correspondente a 50% da alíquota geral.

"A Abras considera esse assunto uma necessidade urgente que precisa ser analisada de forma mais aprofundada nos debates sobre o sistema tributário brasileiro", acrescentou a entidade.

Vanessa Rahal Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Tributação do Insper, observou que muitos setores que estavam preocupados agora estão mais confortáveis após as discussões dos últimos meses. No entanto, ela avalia que seus representantes sempre pedem mais detalhes para terem certeza de que sua carga tributária não aumentará.

"É normal haver pressão por tratamentos diferenciados quando há dúvidas sobre um possível aumento da carga tributária. Aqueles que estão do outro lado precisam entender quando faz sentido atender a essas demandas, seja por motivos técnicos ou políticos. É preciso tomar decisões de maneira republicana ou da forma menos prejudicial possível", concluiu Vanessa Canado, do Insper.

Problemas federativos em andamento

No âmbito federativo, que aborda questões relacionadas aos estados e municípios, como financiamento do desenvolvimento regional e o fim da guerra fiscal, as negociações ainda estão em andamento.

"O texto apresentado pelo relator está dentro do que esperávamos, mas ainda existem algumas divergências que, em minha opinião, não inviabilizam a tramitação da matéria, mas exigem maior negociação nos próximos dias antes da votação, na primeira semana de julho", afirmou Carlos Eduardo Xavier, presidente do Comsefaz, que reúne os secretários de Fazenda dos estados.

Alguns dos pontos em discussão incluem o tamanho do fundo de desenvolvimento regional, o prazo de transição da cobrança dos futuros IVAs do critério de origem para o critério de destino, e o formato de distribuição dos recursos entre estados e municípios, entre outros.

Segundo a proposta do relator, está previsto um montante anual de R$ 40 bilhões para o fundo de desenvolvimento regional, que seria financiado pela União e destinado aos estados e municípios. Os repasses teriam início em 2029, com R$ 8 bilhões, e alcançariam o valor de R$ 40 bilhões anuais a partir de 2033.

Entretanto, em uma reunião ocorrida na última quinta-feira (22), os governadores reivindicaram ao governo federal um valor muito maior, de R$ 75 bilhões por ano para esse fundo.

O relatório de Aguinaldo Ribeiro também prevê a criação de um fundo de compensação para as perdas decorrentes do fim da guerra fiscal. Esse fundo teria um montante inicial de R$ 8 bilhões em 2025, que aumentaria para R$ 32 bilhões em 2028 e, posteriormente, diminuiria gradualmente até 2032. O valor total desse fundo seria de R$ 160 bilhões.

Segundo a proposta do relator, o prazo de transição dos atuais impostos (PIS/Cofins, ICMS e ISS) para os futuros IVAs federal, estadual e municipal seria de 2026 a 2032. Já o período de transição para que os impostos sobre o consumo deixem de ser cobrados exclusivamente na origem e passem a ser tributados no local de consumo é de 50 anos, de 2029 a 2078.

Segundo Carlos Eduardo Xavier, presidente do Conselho dos Secretários de Fazenda Estaduais, além da insatisfação com o montante do fundo de desenvolvimento regional, que não atende às expectativas dos estados, também existem divergências em relação ao critério de distribuição dos recursos.

Os estados mais populosos desejam que o critério de divisão dos recursos seja baseado principalmente no tamanho da população, em vez do critério de renda mais baixa (conhecido como PIB invertido). Xavier acredita que é possível chegar a um consenso.

Os estados também desejam que o período de transição da origem para o destino ocorra ao longo de 26 anos, em vez dos 50 anos propostos pelo relator. Além disso, eles defendem que o seguro receita, que corresponde a 5% do IBS (o IVA estadual e municipal), seja aplicado sobre toda a arrecadação a partir do 26º ano, com 60% dos recursos destinados aos estados e 40% aos municípios. Argumenta-se que isso aumentaria a segurança para os estados produtores, evitando perda de arrecadação.

Os estados também pedem uma transição mais gradual dos atuais impostos (ICMS e ISS) para o IBS (o IVA estadual e municipal), com início previsto apenas para 2033, após o término dos benefícios concedidos. Durante esse período, parte dos recursos do fundo de compensação seria direcionada para o fundo de desenvolvimento regional. Alguns estados, como São Paulo e Pará, também questionam o modelo de arrecadação centralizado, no qual os valores seriam centralizados para serem posteriormente divididos entre estados e municípios.

Na quinta, 22, o relator Aguinaldo informou que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) será substituído pelo imposto seletivo para garantir a competitividade da região. O imposto seletivo, que incide sobre os produtos provenientes da Zona Franca, será elevado para outras regiões, mas será mantido em zero para os produtores locais.