Em meio a pandemia do coronavírus (COVID-19), após ser decretada calamidade pública, o Presidente da Câmara de Deputados, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), deu entrevista recentemente acerca de uma proposta legislativa da Câmara de Deputados que prevê uma redução de salários de servidores. Segundo Maia, agora "todos os Poderes precisam contribuir, inclusive os deputados, os juízes, os fiscais de renda. Todos os servidores." A declaração não caiu bem no Judiciário, onde o Ministro do STF, Dias Toffoli, já rebateu dizendo que "não haverá cortes de salários no Judiciário".

O projeto legislativo, de autoria do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP), que tramita na Casa, prevê uma redução escalonada do salário de todos os servidores públicos federais. Segundo a proposta legislativa, haveria uma redução nos salários do funcionalismo público, na seguinte proporção:

  • 0% para aqueles que ganham até R$ 5 mil mensais;
  • 10% para quem ganha até R$ 10 mil mensais;
  • mínimo de 20% a máximo de 50% para quem ganha acima de R$10 mil mensais (conforme decisão de cada Poder);

Ainda, segundo a proposta legislativa, ficariam de fora da lei os profissionais das áreas da saúde e da segurança pública e a lei teria abrangência somente enquanto durar o estado de calamidade pública.

Contudo, como já explicamos aqui no Ache Concursos, o decreto legislativo de calamidade pública trata-se na verdade de uma autorização para que o governo, neste caso, federal, aumente os gastos da máquina pública a descumprir a meta fiscal prevista para 2020 a fim de, emergencialmente, atender as demandas e políticas públicas direcionadas ao combate ao coronavírus (COVID-19).

A redução de salários de servidores públicos, independente do estado de calamidade, é, segundo Toffoli, uma matéria inconstitucional e sem qualquer respaldo jurídico. Ao longo do texto constitucional há vastos dispositivos que vedam a redução dos salários de servidores. Vejamos:

Violação ao direito adquirido:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

...

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;

Violação a irredutibilidade salarial:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

...

VI - irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;

Violação a irredutibilidade salarial de servidores:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

...

XV - o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I;

Por fim, vale esclarecer que, com a finalidade de equilibrar as despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, a opção legal viável a ser adotada pelo Congresso Nacional seria a instituição de empréstimos compulsórios, nos termos do art. 148, I da Constituição Federal. A criação legal de mecanismos que promovam a redução salarial de servidores públicos, independentemente do pretexto ou da situação, afronta diretamente diversos dispositivos constitucionais e, portanto, não deve passar na Câmara.