Em agosto deste ano, o governo federal anunciou a criação de um empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil. O objetivo era permitir o comprometimento de até 40% do benefício, para o pagamento do crédito, que poderia ter juros de até 3,5% ao mês.

A partir desse anúncio, muitos especialistas passaram a criticar a liberação desse crédito. Inclusive, muito se falou sobre a medida ser uma prática eleitoreira, para que Jair Bolsonaro vencesse as eleições presidenciais (o que não aconteceu).

Abaixo, entenda quais são os riscos, e, porque os especialistas não recomendam a contratação do empréstimo consignado do Auxílio Brasil.

Por que os especialistas não recomendam o consignado do Auxílio Brasil?

Na prática, o empréstimo consignado é um tipo de consignado do FGTS: ao invés de ir para a conta do trabalhador, o dinheiro vai para o pagamento das prestações do empréstimo. E caso perca o benefício, o cidadão vai precisar seguir pagando o benefício.

Em geral, o crédito deveria ser usado para investimento ou ainda, para um momento de muita dificuldade. Entretanto, para muitos brasileiros mais vulneráveis, a hora de dificuldade é agora: a fome de hoje.

Porém, o grande problema está no fato de que muitas pessoas sequer sabem que os valores serão descontados do Auxílio Brasil. A partir disso, o que pode ser o alívio de hoje para comer, pode ser a razão da falta de comida amanhã.

Pense comigo: se você recebe R$ 400, pode comprometer até R$ 160 com as parcelas do crédito. Logo, ao invés de receber o valor cheio, você passará a ganhar R$ 240, enquanto durar o empréstimo.

Ou seja, o que pode ser um alívio momentâneo hoje, pode fazer você ter meses muito mais difíceis amanhã. E assim, uma legião de pessoas vulneráveis pode ter ainda mais dificuldade para comer amanhã.

Maldade

De acordo com o economista e professor da Universidade de Brasília (UnB), José Luis Oreiro, disponibilizar o crédito consignado às famílias em situação de vulnerabilidade é cruel. É dito isso, pois o benefício assistencial visa combater a fome - e o crédito pode aumentar a mesma.

"A maldade disso é que o auxílio é obviamente insuficiente. As pessoas, no desespero da fome, vão pegar esse crédito consignado para poder consumir por dois ou três meses, que é o tempo que o Bolsonaro precisa para ganhar as eleições. Depois o banco vai deduzir automaticamente do benefício os encargos financeiros do consignado, que é a amortização do principal e os juros".

Ademais, a liberação do crédito consignado ocorre em um momento em que os índices de endividamento da população batem recordes. De acordo com a Confederação Nacional do Comércio, 78% das famílias do Brasil possuem dívidas. E dessas, 29% não conseguem pagar as contas em dia. E o levantamento aponta que os casos mais dramáticos estão justamente nas camadas de menor renda da população.

"Isso é uma armadilha feita para as pessoas mais pobres e mais humildes, que não entendem de finanças e estão desesperadas. Você não pode financiar consumo de alimentos com empréstimo, nós vamos ver um aumento significativo da miséria no ano que vem por conta disso. Isso é uma maldade com os mais pobres", defende Oreiro.

Riscos

De acordo com Roberto Piscitelli, membro da Comissão de Política Econômica do Conselho Federal de Economia (Cofecon), os bancos enxergam um alto risco nessas operações.

"Mesmo com as parcelas sendo descontadas diretamente do benefício, eventuais calotes poderão ocorrer na prática, até em função de decisões judiciais. Há questões relacionadas à própria inflação, que reduz o poder de compra do benefício em termos reais. Então, é possível que se torne absolutamente proibitivo a liquidação desses débitos pelos beneficiários", afirmou.

Além disso, a preocupação com a imagem é outra razão da desistência dos bancos. "Taxas de juros que beiram os 80% ao ano são absurdamente extorsivas. Imagine, do ponto de vista da imagem perante o público, o banco oferecer essa condição para o cliente ficar com a corda ainda mais apertada no pescoço", disse Piscitelli.